Parabéns... Somos Padrinhos !!!!!!
Mulheres de Bacalhoeiros: Sazonalidade e Género
O fenómeno da industrialização e as alterações sociais que dela ocorreram nos séculos XIX e XX trouxeram transformações à posição da mulher no seio da família e da sociedade, trazendo-a para a esfera pública em detrimento do espaço doméstico. A inserção em meios quase exclusivos dos homens, de trabalho assalariado, produtivo e qualificado, trouxe novas formas de apresentação da mulher em sociedade. Consequentemente, despertou novos interesses nos estudos históricos e das ciências sociais.
No universo tendencialmente masculino de uma atividade piscatória não será suposto, numa primeira análise, entendê-la ou estudá-la através das questões de género. Aliás, o conhecimento empírico leva-nos a relacionar a atividade piscatória somente com a dimensão masculina. Porém, analisando a pesca como “facto social total”, a dimensão do género emerge e ganha expressão como agente direto ou indireto de content uma determinada atividade de pesca ou de uma comunidade com identidade piscatória. Segundo Inês Amorim, «durante muito tempo os estudos sobre a mulher no sector viram-na essencialmente afastada do mar, exclusivo dos homens e, por conseguinte, retiraram-lhe visibilidade. A antropologia e a sociologia, contudo, acrescentou-lhe contributos intangíveis, no sentido de menos visíveis ou imediatamente visíveis, como esposa, mãe ou irmã, de pescadores».
"Coleção do Museu Marítimo de Ílhavo"
Embora inserida num meio com forte ligação ao mar, o papel social da mulher dos homens que iam ao bacalhau mostra-se substancialmente diferente do das outras mulheres de meios piscatórios. A mulher dos bacalhoeiros surge envolvida num meio piscatório, mas não é pescadora como as mulheres de Vila Chã, «as mulheres pescavam com os homens […] o que serve para os homens serve para as mulheres. Toda a gente as respeita, homens e mulheres». Assim como também não é peixeira, como as da Nazaré, «são elas que toda a noite, quando se pesca toda a noite, separam o peixe, o amanham, o secam no tendal e o levam para os armazéns da salga».
Inauguração Bairro dos Pescadores Ílhavo 1962 (MMI)
Sem ação direta na pesca do bacalhau, o papel feminino torna-se fundamental para o bom funcionamento desta indústria, acabando por caber às mulheres o domínio e a governação do lar, entendidas como esposas, mães e filhas. Segundo Inês Amorim: «a ausência masculina, especialmente na pesca do bacalhau, marcava uma maior exigência na capacidade e empenho da mulher na gestão da casa». A ausência masculina revela-se essencial na caracterização social duma comunidade, em que grande parte dos homens fazia viagens ao bacalhau que demoravam no mínimo metade do ano.
Mulheres das Secas Bacalhau anos 40 na Gafanha da Nazaré
Para ler o texto completo, queira fazer o download aqui.
Confraria Gastronómica do Bacalhau homenageada pela Câmara Municipal de Ílhavo
Após o hastear das bandeiras no edifício da CMI com a presença de diversas entidades e população, decorreu no auditório da Casa da Cultura de tastehungary.com glucophage Ílhavo a cerimonia de entrega de medalhas de "reconhecimento" a entidades e pessoas individuais. A delegação da Confraria foi composta pelos Confrades, Pedro Martins, Carlos Duarte, Rui Dias, Miguel Monteiro, Hélder Viana, José Pequeno e Henrique Salvadorinho Vieira.
A receber a medalha de mérito cultural esteve o nosso Vice Grão Mestre, Miguel Monteiro.
Também o nosso Confrade efetivo, João Madalena, e os Confrades de Honra, Fernando Martins, Bagão Félix e Pedro Machado receberam condecorações. (Fotos: CMI, DA, CD e João Parracho) 1 de Abril 2024
Revista Gávea Brown University e nosso Confrade de Honra Álvaro Garrido
Revista Gávea Brown University dos EUA, publicou um texto apresentado numa conferência na Universidade de buy ca kamagra online New Bedford pelo nosso Confrade de Honra Álvaro Garrido, entitulado:
"The Portuguese and helpful site Cod Fishing in the Northwest Atlantic: A Legendary Heritage" / “Os Portugueses e a Pesca do Bacalhau no Noroeste Atlântico: Uma Herança Lendária”
O texto apresentado, pode ser encontrado aqui neste link.
Confrades da Confraria Gastronómica elegem novos dirigentes
Com a presença de 31 Confrades reuniu em Assembleia Geral a Confraria Gastronómica do Bacalhau no Hotel de Ílhavo.
Relatório e contas de 2023 foram aprovados por unanimidade com voto de louvor e aclamação. Para o Grão Mestre Conselheiro, Ribau Esteves, mais uma vez se cumpriu a tradição de há 25 anos da boa gestão e a provar é a existência de cerca de 40% de saldo ao orçamento executado.
Apresentação do relatório e contas foi feita pelo Grão Mestre Hugo Coelho, que historiou o trabalho desenvolvido pela Direção ao longo dos últimos anos congratulando se com os êxitos das diversas iniciativas sempre como objetivo final que nos une, o Bacalhau!
O Grão Mestre Ecónomo, António Pinho apresentou o relatório do Conselho Fiscal tendo afirmado: “ A ação da Direção da nossa Confraria foi meritória ao longo de 2023, continuando a trabalhar na defesa e valorização do “fiel amigo” junto da comunidade e mantendo ativa a Confraria no movimento Confraternal Gastronómico a nível nacional e internacional....”
Seguiram se intervenções de Confrades, após o qual se deu lugar á eleição dos novos corpos sociais com apresentação de uma lista intitulada “Bacalhau para todos”!
O resultado foi de 28 votos a favor e de 3 abstenções.
O novo Grão Mestre, Nuno Cardoso, afirmou que irá continuar o trabalho dos três anteriores Grão Mestres, na defesa e divulgação do Bacalhau, pedindo o apoio de todos já que cada vez mais a Confraria é solicitada para estar em diversos eventos não só em Portugal mas também no estrangeiro.
Mais um reunião onde o espírito confrádico esteve presente, estamos de parabéns!
Corpos Sociais para 2024/2026
Grão Mestre Conselheiro – José Agostinho Ribau Esteves Mestres Conselheiros – Rui Dias e António Pinho Grão Mestre – Nuno Cardoso Vice Grão Mestre – Luís Miguel Monteiro Mestre Capitular – Carlos Vieira Mestre Cerimonial – Luís Pedro Leitão Mestre Ecónomo – Agostinho Felizardo Grão Mestre Ecónomo – Henrique Salvadorinho Mestres Ecónomos – Sérgio Pericão e Alexandre Pinto
Ilhavo, 27 de Março de 2024
XXV Capítulo da Confraria Gastronómica do Bacalhau de Ílhavo
O nosso XXV Capítulo decorreu no passado dia 20 de Janeiro na Casa da Cultura de Ílhavo.
Com a presença de 53 Confrarias Gastronómicas de todo o país e de 230 convidados, decorreu nas instalações do CCI o 25º aniversário. Esta foi a segunda vez que a Confraria fez a sua festa anual no CCI, tendo sido a primeira quando comemorou o 20º. Aniversário.
A festa teve inicio ás 9.00h. com a chegada das Confrarias e o já tradicional “pequeno- almoço“ de boas vindas onde se poderam saborear vários doces regionais, assim como as padas e os folares de Vale de Ílhavo.
No auditório a festa começou com o Confrade João Mário a interpretar a história dos “homens dos dóris” ao som da guitarra portuguesa, seguido se as “boas vindas” tendo usado da palavra o Presidente da Câmara de Ílhavo, João Campolargo que lembrou ser o ano de 2024 um marco histórico de 3 comemorações, os 25 anos da Confraria, 200 anos da Vista Alegre e 50 do 25 de Abril de 1974 agradecendo á Confraria Gastronómica do Bacalhau o trabalho de valorização do nosso património gastronómico e da história da Faina Maior, o Grão Mestre Conselheiro da Confraria, José Agostinho Ribau Esteves, fez um breve resumo da nossa história lembrando os três principais fundadores, Ti Luís, o Ti Manuel de Eirol (já falecidos) e o Prof. José Reigota, lembrando que a Confraria nasceu “num exercício de amizade, o Grão Mestre Hugo Coelho, após lembrar os Confrades falecidos, afirmou que na Confraria se partilha a amizade e o convívio sendo o exemplo máximo as reuniões mensais sempre com a presença da maioria dos Confrades.
O Presidente da Camara de Ílhavo ofereceu um prato comemorativo dos 25 anos e um pin que distribui a todos os Confrades de autoria da fábrica da Vista Alegre e o Grão-Mestre, ofereceu uma peça artistica á CMI.
Seguindo se o momento cultural com a presença em palco do Confrade Sérgio Pericão e do Confrade Grão-Mestre Honorário João Madalena que historiou a história da Confraria em especial da sua fundação. A Direção da Confraria chamou ao palco os Confrades “padrinhos” da Confraria de S. Gonçalo de Aveiro e os três mais antigos Confrades, Ribau Esteves, Hélder Viana e Carlos Duarte aos quais foram entregues trabalhos de pintura do Confrade Hélder Viana.
A cerimónia da entronização teve o momento alto na prova do bacalhau seco, da broa, do vinho e do óleo fígado de bacalhau. Como Confrade efetivo foi entronizado Ricardo Filipe que teve como padrinho o Confrade João Madalena e como Confrades de Honra foram entronizados a Companhia Nacional Comércio de Bacalhau (padrinho Confrade Rui Dias), fábrica da Vista Alegre (padrinho Confrade João Alexandre).
Após a entrega de lembranças às Confrarias presentes e a foto de grupo, seguiu se o almoço cuja ementa esteve a cargo dos Chefes: Duarte Eira (Sal Poente), José Miguel Lima (Tábua da Ria) e Jorge Pinhão (Bela Ria), que estiveram ao vivo a cozinhar, tendo feito uma “viagem da cozinha tradicional às novas tendências e cozinha de autor”. O serviço de catering foi do Restaurante Sal Poente.
Ementa
Buffet de receção
Pataniscas de bacalhau, Bolinhos de bacalhau, Rojõezinhos, Rissóis, Chamuças, Croquetes, Padinhas de Vale de Ílhavo, Bolo de Vale de Ílhavo, e Bola de carne.
Almoço
Padinhas de Vale de Ílhavo, Pataniscas de bacalhau, Bolinhos de bacalhau, Chora de bacalhau, Tartelete de Bacalhau, Ceviche de bacalhau, Um tributo ao Bacalhau à Brás, Arroz de bacalhau e algas da Ria de Aveiro, Batata recheada com cremoso de bacalhau, Tiborna de bacalhau, Samos e Línguas suados, e Feijoada de línguas e samos.
Sobremesas
Trilogia Morgado do Bussaco com Morangos e Beijinho, e Bolo de Aniversário.
E a festa terminou com o cantar dos parabéns, o apagar das velas e a atuação dos Confrades “magos”, Luís Leitão e Miguel Monteiro!
XXV Capítulo da Confraria Gastronómica do Bacalhau de Ílhavo - Preparação
PROGRAMA GERAL – CASA DA CULTURA DE ILHAVO
Receção e lanche de acolhimento - 9.00h Entrada para o auditório - 9.45h Sessão das Boas-vindas - 10.00H Momento cultural Cerimónia de Entronização Foto de grupo dos nossos confrades Entrega de lembranças Foto de grupo com Confrarias presentes Almoço de Confraternização - 13.00H
O fenómeno da industrialização e as alterações sociais que dela ocorreram nos séculos XIX e XX trouxeram transformações à posição da mulher no seio da família e da sociedade, trazendo-a para a esfera pública em detrimento do espaço doméstico. A inserção em meios quase exclusivos dos homens, de trabalho assalariado, produtivo e qualificado, trouxe novas formas de apresentação da mulher em sociedade. Consequentemente, despertou novos interesses nos estudos históricos e das ciências sociais.
No universo tendencialmente masculino de uma atividade piscatória não será suposto, numa primeira análise, entendê-la ou estudá-la através das questões de género. Aliás, o conhecimento empírico leva-nos a relacionar a atividade piscatória somente com a dimensão masculina. Porém, analisando a pesca como “facto social total”, a dimensão do género emerge e ganha expressão como agente direto ou indireto de uma determinada atividade de pesca ou de uma comunidade com identidade piscatória. Segundo Inês Amorim, «durante muito tempo os estudos sobre a mulher no sector viram-na essencialmente afastada do mar, exclusivo dos homens e, por conseguinte, retiraram-lhe visibilidade. A antropologia e a sociologia, contudo, acrescentou-lhe contributos intangíveis, no sentido de menos visíveis ou imediatamente visíveis, como esposa, mãe ou irmã, de pescadores».
Embora inserida num meio com forte ligação ao mar, o papel social da mulher dos homens que iam ao bacalhau mostra-se substancialmente diferente do das outras mulheres de meios piscatórios. A mulher dos bacalhoeiros surge envolvida num meio piscatório, mas não é pescadora como as mulheres de Vila Chã, «as mulheres pescavam com os homens […] o que serve para os homens serve para as mulheres. Toda a gente as respeita, homens e mulheres». Assim como também não é peixeira, como as da Nazaré, «são elas que toda a noite, quando se pesca toda a noite, separam o peixe, o amanham, o secam no tendal e o levam para os armazéns da salga».
Sem ação direta na pesca do bacalhau, o papel feminino torna-se fundamental para o bom funcionamento desta indústria, acabando por caber às mulheres o domínio e a governação do lar, entendidas como esposas, mães e filhas. Segundo Inês Amorim: «a ausência masculina, especialmente na pesca do bacalhau, marcava uma maior exigência na capacidade e empenho da mulher na gestão da casa». A ausência masculina revela-se essencial na caracterização social duma comunidade, em que grande parte dos homens fazia viagens ao bacalhau que demoravam no mínimo metade do ano.
A ideologia social do corporativismo, imposta pela ditadura do Estado Novo, estabelecia o retorno da mulher ao lar, pois valorizava a família como núcleo primário da estabilidade social. A liberdade e a individualidade concedidas às mulheres pelo liberalismo e a massificação do trabalho com recurso a mão-de-obra feminina descaracterizavam a noção de família que o Estado queria como âncora da sociedade. De modo a realçar o regresso da mulher ao lar e consolidar as características femininas na esfera privada e da família, o discurso difundido pelo Salazarismo enaltecia os trabalhos femininos domésticos, como a educação dos filhos, a proteção da família ou o bem-estar social do lar. Segundo Irene Pimentel, a família, na conceção do Estado Novo tinha duas economias distintas: «uma representada pelo salário do homem, e outra, pela produção no seio da família, que cabia, segundo a divisão do trabalho salazarista, à mulher».
Ao retirar a mulher do mercado de trabalho e ao atribuir-lhe um lugar fundamental no seio familiar, o Estado Novo não se preocupava apenas com o equilíbrio moral e emocional das famílias, mas também com o decréscimo da taxa de desemprego e com a sobrevalorização da mão de obra especializada. Ou seja, a mão-de-obra feminina podendo estar a ser explorada por alguns patrões, como não especializada e mal remunerada, potenciava o aumento da taxa de desemprego entre os homens e baixava consideravelmente os ordenados da mão-de-obra especializada.
No fundo, a visão salazarista que remetia a mulher para os domínios domésticos tinha por base dois pressupostos: o equilíbrio moral e familiar do lar e o enquadramento económico-financeiro e social do trabalho feminino. Ambos tinham como objetivo estimular a mulher a ser “fada do lar”. A assistência e a educação surgem como pilares da dinâmica da previdência social que a ditadura corporativista reservou para as mulheres como garantes do seu agregado familiar. Portanto, é neste quadro politico-ideológico de enquadramento estrutural da mulher na sociedade que a população feminina se encontra e, mais concretamente, onde a mulher dos pescadores bacalhoeiros desenvolve o seu papel social.
A intervenção do Estado Novo na indústria bacalhoeira não se verificou apenas no controlo e regulamentação da pesca em si. Após as leis reorganizadoras de 1934, e à medida que o controlo da pesca do bacalhau ia sendo efetuado, as preocupações do Estado voltaram-se para as questões sociais, alargando-se a organização corporativa das pescas também à “obra social”. Deste modo, a regulamentação dos aspetos sociais da pesca do bacalhau levava a um melhor controlo sobre esta indústria. Ou seja, «o fomento estatal da “grande pesca” supunha instituir mecanismos compensatórios do sistema de exploração intensiva do trabalho, tais como a assistência, alguma previdência e a melhoria das condições de trabalho a bordo», havendo ainda a normalização dos salários e a regulamentação das políticas de recrutamento, o que facilitava o controlo da luta de classes, a regulação dos conflitos de interesses por parte do Estado e a consequente aplicação da organização corporativa das pescas. No entanto, as preocupações com as questões sociais são visíveis pelo aumento constante, entre 1938 e 1967, das despesas do Estado com a previdência e assistência das Casas dos Pescadores.
As Casas dos Pescadores surgem na organização corporativa como representativas do poder atribuído aos pescadores, pois era-lhes permitido a associação e a representação profissional, através das mesmas que, construídas nos principais centros piscatórios, levavam a uma forte vigilância social, mas também proporcionavam o auxílio social, médico e moral a quem estava no mar e a quem estava em terra. A Casa dos Pescadores funcionava assim, como a base da organização corporativa das pescas, ou seja, o ponto de contacto e de auxílio aos pescadores pelos patrões e pelo Estado.
O Estado Novo, ao considerar a pesca do bacalhau como um “problema nacional” e querendo tornar essa atividade económica na “mais portuguesa das indústrias”, não descurou a questão da ausência masculina por largos períodos. Com a implementação de uma soldada fixa, o Estado Novo introduziu uma medida inédita no sector das pescas e exclusiva da pesca longínqua, mais propriamente da pesca do bacalhau. A soldada fixa, atribuída aos pescadores do bacalhau durante os meses que estavam em viagem, proporcionava novas condições para o governo da casa, quando os homens estavam ausentes e sem se saber ao certo o resultado da pescaria. Se o pescador pescasse mais do que a quota imposta, recebia mais algum dinheiro, indicado por uma tabela de cotas preconcebida. Durante os meses que o navio estava atracado em terra, os homens que iam ao bacalhau recebiam um terço do ordenado de quando estavam embarcados. Esta medida pretendia também ser um regulador social. Segundo Inês Amorim, «o Estado Novo (…) considerava que as soldadas fixas e as percentagens sobre a pesca realizada haviam de representar um capital capaz de acudir ao sustento da casa e de ser também o necessário para evitar que a mulher e os filhos menores fossem obrigados a, diariamente, abandonar o lar, para angariar o complemento que era indispensável para prover à modesta manutenção». Deste modo, os homens bacalhoeiros conseguiam trazer dinheiro para casa, dar sustento à sua família e contribuir para a regulação do lar. No entanto, o papel feminino mostra-se mais uma vez fundamental, pois era a mulher que geria a soldada fixa quando o homem não estava, era ela que governava a casa, a quem se pedia todo o empenho no seu papel exigente de gestora da casa.
Consciente da centralidade do papel feminino na gestão da casa e da família, mais uma vez o Estado Novo, através da Organização Corporativa das Pescas, intervém de modo a regulamentar as questões sociais que se desenvolviam nas ausências dos homens que iam ao bacalhau. Deste modo, a Junta Central das Casas dos Pescadores (JCCP), elemento do organigrama corporativo, editou folhetos informativos e sugestivos de como deveria ser o dia-a-dia da mulher como, por exemplo, “Conselhos às mulheres dos pescadores de bacalhau”, “Alimentação infantil” ou “Como cuidar das crianças”. Do mesmo modo, deu formação às mulheres nas Casas dos Pescadores, de modo a orientá-las na melhor forma de gestão familiar e da casa. Para além disto, ainda havia as “visitadoras”, mulheres que vigiavam a higiene e arranjo do lar, assim como o tratamento que era dado às crianças recém-nascidas.
A brochura “Conselhos às mulheres dos pescadores de bacalhau”, editada pelo Grémio dos Armadores em 1938 com o apoio dos Serviços de Assistência respetivo do Fundo de Previdência Social, revela com clareza os pressupostos da assistência e educação que dão centralidade ao papel feminino na gestão da casa e da família: «O Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau, organismo do Estado Novo, sempre pronto a desenvolver a indústria bacalhoeira, a proteger os pescadores e as suas famílias, a fazer o que for de justiça para cada um e de bom para Portugal, vem agora ensinar-te umas pequenas regras para bem criares os teus filhos. […] Cria-o bem. Educa-o e dá-lhe bons exemplos para que de futuro seja um bom e bravo português.». Depois deste texto introdutório, a brochura apresenta conselhos relativos a aspetos práticos dos cuidados infantis: do asseio, do banho, do mamar, o quarto, o sono, estado de saúde; vacina, andar e falar, dentes e educação.
A criação da ação social aos pescadores, ou da propagandeada “obra social das pescas” tem uma intenção socialmente reguladora. A ideologia corporativista assentava no ideal do trabalho para o bem comum, o fortalecimento da pátria, sendo o Governo apenas um regulador, os trabalhadores os atores e os patrões o capital. Porém, certos traços culturais e sociais das comunidades piscatórias poderiam ser difíceis de compatibilizar com a organização corporativa das pescas.
As comunidades marítimas têm práticas sociais próprias, vincados traços culturais e orientam-se por padrões por vezes distintos das sociedades em que estão inseridas. O mesmo acontecia com as comunidades piscatórias portuguesas antes do Estado Novo. A visão estratégica do salazarismo assentava em três motivos: o Estado precisa da classe piscatória, os valores próprios da classe podiam ser utilizados a favor do Estado, mas seria sempre necessário haver regulação social – ou política, no limite – de modo a que houvesse um perfeito equilíbrio entre os valores do Estado e os valores da classe. A ambicionada paz social representa a não usurpação instantânea dos valores culturais e sociais dos pescadores, notando-se neste processo que há a intenção, por parte do Estado Novo, de “domar” e sociabilizar a classe piscatória.
O equilíbrio de interesses dos pescadores, dos patrões e do Estado é mantido pelos organismos corporativos de representação profissional e previdência, pelos quais passa a missão de socializar a classe piscatória. O Jornal do Pescador, como órgão de divulgação da obra social da Junta Central das Casas dos Pescadores, expressa muitas vezes nas suas edições conselhos de valorização profissional, pessoal e familiar, tanto para os pescadores como para as suas famílias. Estes artigos serviam para enaltecer o trabalho da Junta Central, mas também davam maior dimensão aos valores incutidos às Casas dos Pescadores.
A obra de previdência social montada em torno da pesca do bacalhau que auxilia no equilíbrio e regulação das comunidades bacalhoeiras abrangia um vasto leque de estruturas que subsistiam debaixo da alçada da Junta Central das Casas dos Pescadores, como os Centros de Assistência Social, Serviço Social, Maternidades, Posto de Puericultura, Creches, Lares e Refeitórios, Escolas Primárias e de Pesca, Portos de Ensino, Cantinas, Casas de Trabalho Feminino e de Ensino Doméstico, Colónias de Férias, Internatos e Assistência Moral e Religiosa.
As Casas de Trabalho Feminino e de Ensino Doméstico, enquadradas na orgânica das Casas dos Pescadores locais, revelaram-se preponderantes na ação da regulação social corporativista, dado que a ausência do homem na sua atividade profissional, de maior ou menor duração, desprovia o agregado familiar da figura masculina, deixando à mulher a responsabilidade de gerir a casa e de educar os filhos. Com a perfeita noção da responsabilidade que as mulheres tinham, a Junta Central possuía 30 Casas de Trabalho Feminino espalhadas por todo o país, com 641 alunas no total. Não eram só as filhas que utilizavam essas casas, as mulheres dos pescadores tinham muitas vezes sessões de esclarecimento e formação sobre assuntos do foro doméstico, «de modo a suprimir as deficiências do meio, tendo em vista cultivar e valorizar a mulher na sua função sublime de esposa e mãe, contribuindo para o desempenho da delicada missão para que Deus a destinou».
Num outro exemplo da doutrina corporativista e da regulação social das comunidades marítimas através de conselhos sobre assistência e educação às mulheres, o Jornal do Pescador compila, num artigo onde enaltece a “obra social”, algumas das máximas de ensinamento às comunidades piscatórias social, onde se aconselha as mães sobre a melhor forma de tratar os filhos:
• Não deixe os seus filhos dias inteiros na rua, expostos ao sol, aos carros que passam, aos perigos que a sua inocência provoca.
• Às raparigas ensine a coser, a limpar e arrumar a casa. Aos rapazes, utilize-os também nas tarefas caseiras. Faça-os estudar, ler alto, ensine-os a cantar, a serem alegres.
• Não queira que o seu filho lhe tenha medo. Respeito e Amor, isso sim!
• Ninguém há que seja tão pobre que não possa dar alguma coisa. Consolar os aflitos, encorajar os desesperançados e estender a mão ao que precisa, é distribuir uma fortuna.
• Um homem só é grande e forte quando se une aos seus irmãos, quando serve o dever e sente gratidão pelos bens recebidos.
• O que aprende a ler e a escrever torna-se independente e não necessita que outrem conheça os seus íntimos segredos.
• Entre os serviços que uma mãe pode prestar aos seus filhos, não há outro que exceda o de ajudar a conhecerem-se a si mesmo e a descobrirem a mensagem que Deus lhes confiou para a humanidade.
• A Guerra e a Paz estão nas mãos da família: dos pais e dos educadores.
• Para conduzir à felicidade, não há melhor caminho que o trabalho.
• A mentira abre a porta a todos os vícios, mormente ao roubo. Para quê mentir?
A regulação social aplicada pelo Estado Novo ao papel das mulheres dos meios piscatórios vai ao encontro da doutrina fascista que despontou na Europa nos anos 30 do séc. XX. Uma parte da ideologia dos movimentos fascistas baseia-se na teoria da dominação de Max Weber, que estabelece três tipos de dominação legítima: a dominação legal, a dominação tradicional e a dominação carismática. A dominação legal é fundamentada numa ordem estabelecida, que obedece a regras e leis e é estruturada em princípios hierárquico-administrativos. A dominação tradicional assenta na crença da legitimidade da hierarquia e da autoridade, estando diretamente ligada aos costumes sociais e aos valores individuais. A dominação carismática é legitimada pelo reconhecimento que é atribuído a quem domina, geralmente marcando uma posição consciente em determinadas causas da sociedade em que interage. É normalmente uma dominação afetiva, emocional, que não obedece a regras ou a estruturas. Contudo, para Weber a dominação legitima só existe se houver concordância do dominado, em qualquer uma das três tipologias.
A ideologia fascista alicerça a sua ação na força do Estado, na importância da tradição e no culto do reconhecimento dos valores, a base da teoria da dominação de Weber. Embora as duas primeiras formas possuam um cariz legal e estruturado, a última precisa de ser constantemente trabalhada para que as três funcionem em plenitude. Para tal, a regulação social é um instrumento importantíssimo para a manutenção dos equilíbrios sociais, pois é uma ferramenta indireta do Estado. Recorrendo à fórmula da regulação social o Estado procura reduzir os conflitos na aplicação da sua doutrina, a qual vais sendo inconscientemente absorvido pela sociedade, legitimando assim a dominação dos valores impostos.
As questões de género numa comunidade bacalhoeira precisam de ser enquadradas em vários aspetos, porque o ambiente social, político e profissional delimita as dinâmicas coletivas. Ílhavo, a comunidade bacalhoeira que aqui se aborda, detém um papel preponderante no funcionamento da pesca do bacalhau durante o século XX, não só pelos cerca de 20% de efetivos que em média fornecia às campanhas do bacalhau, mas sobretudo pelo facto desses homens ocuparem postos influentes na dinâmica do navio. Categorias como Capitães, Imediatos e Pilotos, Maquinistas, Cozinheiros e Contramestres eram em larga maioria preenchidas pelos homens da localidade, o que se reforça a preponderância em número, mas sobretudo em importância e influência.
Os navios da frota bacalhoeira funcionavam como unidades industriais: devido aos vários meses de intensiva atividade piscatória e à coabitação de várias dezenas de homens num espaço físico reduzido, necessitavam de uma metodologia de trabalho organizada, estruturada e hierarquizada, de modo a que a pesca do bacalhau e o enchimento da tonelagem do navio com pescado permitissem regressar às origens o mais rápido possível.
A divisão do trabalho dentro do navio estava bem definida e a hierarquização profissional também. As dimensões e capacidades de pesca do navio variavam bastante, mas a hierarquização socioprofissional que existia no seu interior mantinha-se, independentemente de qualquer característica física do navio. Consequentemente, a hierarquização de bordo era transposta na totalidade para terra, onde as famílias nas comunidades bacalhoeiras cumpriam escrupulosamente a mesma organização de subordinação e poder. As relações sociais em terra espelhavam a hierarquização a bordo, onde mulheres e filhos se relacionavam com outros da mesma classe e categoria profissional. A familiar de um jovem Verde que procurasse novidades sobre o decorrer da campanha teria de as procurar junto da mulher do respetivo Maduro, que as procuraria na família de um Cozinheiro ou Contramestre, que por sua vez as conseguiria junto da mulher de um Oficial, Piloto ou Imediato, até por fim chegar à mulher do Capitão, numa cadeia de comando plenamente definida e totalmente consentida.
Esta cadeira hierárquica era trabalhada, em comunidade, através de relações de dependência e trocas cordiais. As dádivas e as recompensas funcionavam tanto no sentido ascendente como descendente e serviam em grande medida para manter a paz social, através do reconhecimento da subalternização. Os subprodutos do bacalhau, como as caras, as línguas e os samos serviam de moeda de troca para cimentar relações de confiança, de cima para baixo, e a colheita da lavoura e da criação para garantir proteção superior, de baixo para cima. Se a cadeia de hierárquica não funcionasse bem a bordo, isso repercutia-se em terra e também no sentido inverso. Se a paz social de comunidade fosse perturbada por algum acontecimento, isso espelhava-se a bordo. Aliás, na composição da tripulação para a companha seguinte, para além das regras impostas pelo Grémio, o Capitão costumava auscultar a palavra da sua mulher, avalizadora do cumprimento moral, social e familiar dos membros da tripulação. Verificaram-se casos em que o “bom desempenho” familiar garantia lugares em tripulações de pescadores menos eficazes em detrimento de excecionais pescadores com uma estrutura familiar debilitada. Ou seja, o bom desempenho dum pescador bacalhoeiro começava obrigatoriamente no lar, tal com o Estado Novo o preconizava.
A identidade de um grupo é consequência da teia de relações sociais que o envolve e sujeita a reajustes constantes, tantos quantos as alterações das relações sociais. As performances sociais mulheres de bacalhoeiros de Ílhavo estão delimitadas, como já vimos, pelas várias envolventes, mas também tem de haver a sua predisposição delas para assumir e desempenhar esse papel social de mulheres de bacalhoeiros.
O sociólogo Erving Goffman, no livro “A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias”, estuda os processos que as pessoas utilizam ritualmente na sua vida quotidiana e que servem como elementos de interação do indivíduo com a sociedade. Isto significa, que os indivíduos no seu dia-a-dia utilizam formas de ser que lhes permitem adquirir todos os rituais da vida quotidiana de certos grupos ou sociedades, como gestos, práticas, valores ou emoções que identifiquem esse grupo social e que lhe proporcione a respetiva integração.
Para Goffman, a vida quotidiana do indivíduo assemelha-se a uma peça de teatro. Os locais onde são efetuados as relações sociais funcionam palco e o sítio onde o indivíduo encena a sua ação é semelhante aos bastidores. Os indivíduos que se tentam inserir num grupo são os atores e o grupo é a plateia, que vai avaliar o desempenho do indivíduo. Por outro lado, Goffman afirma que o desempenho não é algo característico do indivíduo, mas sim do papel que está a desempenhar. Assim, ator social desempenha estados de espirito que não são os seus mas sim os da personagem que encara.
Percebendo as dinâmicas de género da comunidade ilhavense à luz da teoria de Goffman, as mulheres dos bacalhoeiros ilhavenses encarnam a “personagem” que o Estado Novo lhes reservou, com a função social de transmissão dos valores familiares e morais, em recato nas ausências do marido, em lamento pela distância e como esteio do lar e educadora dos filhos. Nos casos em que não houvesse eficácia a encarnar a personagem por alguma mulher, a regulação social do estado e a pressão do próprio grupo “obrigavam-na” a cumprir o papel de mulher de bacalhoeiro.
O retorno da mulher ao lar e a preocupação da Estado Novo em garantir o funcionamento da “indústria nacional”, pressupunha que as mulheres dos bacalhoeiros não trabalhassem fora de casa, que o lar fosse o seu lugar de eleição e que a sua ocupação se cingisse à edução dos filhos e aos trabalhos domésticos, como a costura, a lida da casa ou a lavoura. O quotidiano das mulheres de bacalhoeiros era determinado pela sazonalidade, tanto a da presença do marido com a da entrada de dinheiro.
A ausência do marido atribui-lhe o papel de dona da casa, liderante, matriarcal, de ralação próxima com os filhos e com a autoridade que outras mulheres durante o período do Estado Novo provavelmente não possuíram. Durante as ausências o recato do lar e o bom desempenho social, moral e religioso para evitar “falatório” eram o seu principal objetivo, porque a regulação social a impeliam a partilhar à distância as agruras da vida no mar, para não desonrar a profissão do marido. Uma das preocupações principal na organização corporativa das pescas foi a estabilidades dos lares bacalhoeiros durantes os seis meses de ausência masculina.
A entrada sazonal de dinheiro é outro aspeto marcante no quotidiano feminino de uma comunidade bacalhoeira. Os pagamentos eram diferenciados pela tipologia de pesca, sendo que em ambas a maior parte do dinheiro chegava no final da viagem com a contabilização da quantidade pescada, na pesca à linha existia um avanço de vencimento e na pesca do arrasto uma pequena percentagem era paga por mês de atividade. Efetivamente a percentagem de pescado correspondia a cerca de 70% a 80% do vencimento anual, atribuindo às mulheres dos bacalhoeiros um desempenho determinante na gestão do orçamento familiar. O governo da casa e a gestão dos assuntos domésticos eram impostos à mulher pela ausência do marido, diferente do papel subalternizado que as outras mulheres tinham durante o Estado Novo. Contudo, cabia ao marido legitimar o domínio da gestão feminina do lar, embora nas estadias em terra o domínio feminino do lar tendia a não ser exuberante para evitar outras tensões.
O incremento económico conseguido com as campanhas da pesca do bacalhau acompanhou a devoção pelo padroeiro dos marítimos, o Senhor Jesus dos Navegantes, o que se nota pelas inúmeras oferendas de ex-votos em honra do Senhor Jesus dos Navegantes. Indo ao encontro da importância do apoio moral e religioso presente na doutrina social do Estado Novo, a frequência de espaços religiosos pelas mulheres de bacalhoeiros não só era bem-visto como era fortemente incentivado. Porém, quando as festividades tinham um cariz mais profano, como um bailarico ou folclore, a presença feminina só se verificava quando os maridos estavam em terra, em sinal de respeito. O mesmo se verificava para os filhos mais jovens, agindo com recato durante a ausência do pai. A devoção, como algo aceite socialmente, preenchia vastas vezes a ocupação feminina, pois a contínua preocupação com o bem-estar do marido na pesca originava a multiplicação de atos de devoção e fé.
As mulheres dos bacalhoeiros de Ílhavo, mesmo sem ação direta na atividade piscatória, demonstram um quotidiano totalmente dependente dessa ocupação. A centralidade da figura feminina é determinante na educação dos filhos, na gestão do lar e no controlo financeiro, mas sobretudo no equilíbrio das assimetrias provocadas pelas ausências e na regulação de uma sociedade órfã da figura masculina. Numa comunidade, como a de Ílhavo, em que a pesca do bacalhau obteve tanta expressão e impacto, a influência que esta exerceu nas dinâmicas familiares, sociais e morais é fundamental para melhor compreendermos a sociedade atual. |